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segunda-feira, 23 de março de 2015

Processos em avaliação judiciária.

Por: Anabela Melão

Não me pronuncio sobre processos em avaliação judiciária. 

Abro hoje e aqui uma excepção face à reconhecida competência da Fernanda Palma em Direito Penal. Sobre o acórdão do caso 'Sócrates'. Intitula-se 'Lógica pastoril':
«Segundo a comunicação social, o acórdão da Relação de Lisboa sobre o caso Sócrates resumiu a sua convicção sobre os indícios fortes de crimes de corrupção através do provérbio "quem cabras não tem e cabritos vende de algum lado lhe vêm". Tal lógica, própria de uma sociedade tradicional, manifesta-se deficitária numa sociedade de conhecimento, em que as causas dos fenómenos se podem revelar mais complexas.
É falacioso o argumento ‘ad ignoratiam’, em que se conclui que há fantasmas se não se provar que não existem. Pode haver quem não tenha cabras mas tenha crédito, como já aconteceu a Portugal e aos portugueses. Por outro lado, não julgo que um tribunal possa invocar um dia o provérbio "com um olho no burro, outro no cigano" para justificar medidas especiais de vigilância sobre pessoas de determinada etnia.
Baste a quem basta o provérbio e não creio que baste ao Direito. A lógica pastoril revela que há indícios de que Sócrates praticou atos de corrupção, mercadejando as funções públicas, ou apenas que o dinheiro envolvido teria de ser seu e não pode ter sido dado ou emprestado? Essa lógica pode apontar para indícios, mas especifica um crime. É adequada à investigação mas insuficiente para formular a acusação.
Talvez tal lógica fosse suficiente para um crime que pressupusesse a inversão do "ónus da prova", como o famoso enriquecimento injustificado, inexistente no momento da prática dos factos. No crime de corrupção, cabe ao Ministério Público demonstrar que o dinheiro foi recebido para uma certa disponibilização dos poderes públicos. Os princípios da presunção de inocência e ‘in dubio pro reo’ assim o impõem.
Vender cabritos sem ter cabras não prova por inferência a prática de crimes de corrupção, salvo se entendermos que o vendedor não pode ter deixado de receber os cabritos para praticar atos ou omissões contrários aos deveres do cargo, no conjunto de mundos possíveis. Porém, nesse caso, estará em causa uma questão de direito sobre o valor da prova e os limites da incriminação e não uma mera questão de facto.»

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