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domingo, 27 de abril de 2014

Do 25 de Abril

Por: Isabel Faria
Este ano o Carmo esteve cheio como um ovo. Era impossível chegar perto de algum amigo ou companheiro que estava a 3 metros de nós. No Carmo, como em todas as comemorações dos 40 anos de Abril (das genuínas, das sentidas, não das hipócritas feitas pelos que o assassinam), sentia-se um sabor a despedida que nos amargura. Mas também, ainda e sempre, nos desafia.
O lugar onde o regime se rendeu, estava cheio como um ovo e a esmagadora maioria dos que ali estavam eram homens e mulheres que não só viveram aquele dia, como ainda viveram alguns dos dias do regime fascista que, ali, há 40 anos, terminou. E é essa evidência que ao mesmo tempo que nos assusta e nos emociona, nos faz gritar mais alto. Há muito que não se gritava tão alto no Carmo. Cada um de nós que ali esteve, tenho a certeza, sentiu o enorme e avassalador peso da falta de tempo. E da sua perda. Já não temos mais 40 anos para passar o testemunho. Penso que todos sentimos que nem 5, quanto mais 40. Já não temos mais 40 anos para perder. Penso que todos sentimos que nem 1 quanto mais 40.
Confesso que, por momentos, ouvir Vasco Lourenço ainda me levou (como sempre aconteceu ao longo de 39 anos) àquela noite de Novembro em que ele e muitos outros abriram as portas à derrota de Abril. Mas durou pouco. A um dado momento na sua intervenção, ele dizia que os que hoje vendem o País e nos matam em vida, foram os derrotados de há 40 anos. E essa certeza impregna-se em cada um e em todos os nós. Se durante muitos anos a batalha se travou entre o 11 de Março de 1975 e o 25 de Novembro de 1975, hoje a batalha imediata é, sem nenhuma dúvida entre o 25 e o 24 de Abril de 1974. E talvez fosse esse também o cheiro a despedida que passava no largo onde Salgueiro Maia nos abriu as portas da democracia: passou o tempo em que era possível meios termos e meias revoluções.  E até os homens que, num dado momento do processo histórico, por opção politica ou sentido de classe, acharam que era possível fazer uma revolução suave, sem exageros nem confronto, hoje sabem que esse tempo morreu.
No final da intervenção, o Zeca e todos nós cantámos a Grândola.  E terminou-se com o Hino. E, tal como naqueles dias de há 40 anos, aposto, ninguém se preocupou se as palavras da Portuguesa são nacionalistas, conservadoras ou nem por isso…cantou-se o Hino com a convicção que somos um País ocupado e com a força de quem ainda não desistiu de voltar a ser um País. Livre.
Nem todos os que ali estivemos querem fazer o mesmo País. Mas todos sabem que há, de novo, que fazer um País.
A meu lado, um senhor bem mais velho que eu, dizia, de voz embargada pela emoção “daqui a 10 anos já não vou estar aqui”…olhou para um menino da idade que o meu filho tinha  quando um dia fez um desenho do 25 de Abril e colocou um Sol no cano da espingarda, e disse aos pais do menino  “ Mas ele vai estar. Prometam que não se esquecem disso!”.  Prometemos todos. Agora falta cumprir

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