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terça-feira, 27 de setembro de 2011

O coração e a razão social-democrata

 Passos quer pôr os cidadãos a debater a reforma do Estado. Está tudo estragado

 A Grécia está como está. Ingovernável, com o povo todos os dias na rua a protestar contra os sucessivos pacotes de austeridade. O executivo socialista está de cabeça perdida e avisa o mundo de que só tem dinheiro para pagar salários e pensões até Outubro. Neste cenário dantesco, a Alemanha estuda a forma menos dolorosa de evitar a insolvência descontrolada da Grécia e já há quem admita que os militares podem sair dos quartéis para pôr alguma ordem no país. Apesar das juras de amor democráticas da União Europeia, imagina-se o alívio que tal solução causaria em Bruxelas e Berlim. Com a desordem nas ruas e a impotência das autoridades, as forças armadas apenas iriam repor as condições mínimas para o país voltar à normalidade democrática o mais depressa possível. Neste ambiente de loucura tudo é possível, todas as hipóteses têm de estar em cima da mesa e o amanhã é uma incógnita tão grande como a chave do euromilhões. Por cá, entretanto, as coisas estão muito mais calmas. Não há desordem nas ruas, as manifestações estão devidamente controladas pelo Partido Comunista e o governo de maioria tem todas as condições políticas e sociais para cumprir o Memorando da troika e até ir mais além, como tem acontecido, aliás, particularmente no lado das receitas, isto é, nos aumentos de impostos. Mas para atacar o monstro a sério enquanto há tempo e as eleições estão longe, o executivo de Pedro Passos Coelho tem de dar corda aos sapatos. Não se pode andar por aí a perder tempo com fantasias que os tempos são duros e muito incertos. É por isso que não deixa de ser preocupante ouvir o primeiro-ministro dizer que é preciso introduzir o debate, a crítica, o escrutínio e a participação como princípios fundamentais da reforma do Estado, incluindo a do Estado social. Há uns anos, depois da década cavaquista e absolutista, chegou ao poder António Guterres com a razão e o coração, um slogan inventado pelos marketeiros da época. Foi um êxito, como se sabe. O PS ganhou as eleições e o primeiro-ministro foi o campeão do diálogo. O governo gastou, não cortou e adiou tudo sempre que encontrava oposição pela frente, por mínima que fosse. O país vivia inconscientemente em paz e andava tão contente com o diálogo instalado que ia dando a maioria absoluta ao PS em 1999. As desgraças da pátria, iniciadas anos antes, tiveram no consulado guterrista um desenvolvimento notável. Ouvir agora Passos Coelho introduzir na reforma do Estado palavras tão bonitas como "debate", "crítica", "escrutínio" e "participação" faz temer o pior. Num país em que milhões vivem directamente e indirectamente do Estado e dos seus múltiplos subsídios vai ser o bom e o bonito. Ou melhor, vai ser muito feio porque evidentemente ninguém quer reformar coisa nenhuma, todos querem que fique tudo como dantes, mesmo que percebam que não há dinheiro para gastar nos próximos tempos. Mas no íntimo de cada dependente há sempre a esperança de que a tempestade passe e a bonança do Estado monstruoso e gastador volte esplendorosa para gáudio dos que adoram o Estado, vivem do Estado e morrem com o apoio do Estado.
«JN»

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