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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A manta que não estica

Uma das consequências mais curiosas - chamemos-lhe assim - da política do Governo em taxar tudo o que mexe para obter almofadas financeiras, não vá o corte na despesa demorara mais tempo do que o previsto, é a criação de uma espécie de círculo vicioso em que, porque a manta não estica, alguém acaba sempre mais destapado do que já estava.
Vejamos o exemplo do aumento em 20 mil do número de vagas nas creches das Instituições Particulares de Solidariedade Social. Trata-se de uma medida incluída no plano de emergência social, cujo objectivo passa por amenizar os efeitos da subida de impostos, designadamente para quem menos pode. A ideia parece boa: aumenta-se a oferta e ajudam-se famílias que tinham que colocar os seus filhos, a preços elevados, nas instituições privadas. Sucede que, como se explica nas páginas 4 e 5 desta edição, terão que ser os pais a pagar na totalidade (ou quase) a estadia das crianças que entrem no novo contingente. Ou seja: a abertura de vagas custará zero euros (ou quase) ao Governo.
"Os pais das crianças poderão ter que pagar o custo total", avisa o padre Lino Maia, presidente da Condeferação Nacional das Instituições de Solidariedade Social. E o custo total ronda os 500 euros mensais. Impõe-se, portanto, a pergunta: quando o ministro da Segurança Social garantiu, feliz e contente, o aumento de vagas nas creches, por que não nos disse que os custos verteriam para os orçamentos familiares? Sabemos todos que a manta não estica - e isso é suficiente para perceber que não há almoços grátis.
O episódio mostra três coisas.
Primeira: a paranóia igualitária em nome da qual o Estado paga 42% dos custos associados a cada criança que passa o dia na creche, independentemente do nível de rendimentos dos pais, criou esta indelével crença (tão portuguesa, de resto) de que as ajudas estatais devem ser eternas. Não devem e não podem.
Segunda: é por isso que, numa altura de profunda crise como esta, haverá pais a queixarem-se amargamente. E com razão, porque se sentirão discriminados em relação a outros que pagam, na creche como na escola pública, um valor muito abaixo das suas possibilidades.
Terceira: é muito natural que as instituições de solidariedade social acabem por aceitar mais depressa filhos de pais que não se atrasem no pagamento da mensalidade. Para as IPSS, é uma questão de sobrevivência.
E eis-nos de volta ao círculo vicioso. O Estado abre vagas nas creches para que não haja "crianças nas ruas", mas não comparticipa, porque não tem dinheiro. As IPSS cobram 500 euros por menino. Quem puder, paga; quem não puder, deixa "as crianças na rua".
Ou seja: o sistema devia privilegiar os mais fracos, os da manta curta. Mas acaba por ajudar os mais fortes, os da manta longa.
«JN»

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