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domingo, 14 de novembro de 2010

Dissertação pessoal sobre a crise que vivemos

Por: Paulo Fonseca  *

Todos estamos pelos cabelos de ouvir falar e de sentir a crise. Instalou-se até uma espécie de angústia em cada cidadão acerca dos tempos vindouros….andamos todos a temer o futuro. Vale, pois, a pena, do meu ponto de vista, dissertar sobre o tema, em roda solta….

Em primeiro lugar, esta crise está identificada pela Douta, mas duvidosa sabedoria instituída, como sendo uma decorrência exclusiva do sub prime, essa Americanice que descansou toda a gente, na medida em que, identificado o culpado, todos ficamos muito mais descansados. Nada mais errado porquanto, nem o sub prime tem a culpa exclusiva do problema nem qualquer terráqueo responsável pode descansar à sombra desta redutora “caça às bruxas”.

Em segundo lugar, a crise é financeira mas é também uma crise de paradigma social e decorre, pela primeira vez, num ambiente de «Aldeia Global». Isto é, todos os pressupostos da organização social vigente têm os dias contados e é urgente reformar a organização social da Europa e do Mundo já que, a inexistência de fronteiras dificulta brutalmente qualquer tentativa de controlo da crise. Assim como o formato da nossa organização económica, as excessivas dependências da balanço da transacções, a tendência para se gastar mais do que se ganha ou de comer mais do que se produz, têm de ser corrigidas.

Em terceiro lugar, a crise é fundamentalmente gerada pela falta de confiança. Desde logo no sistema financeiro. Imaginemos que os 1000 homens mais ricos do mundo, por falta de confiança no sistema financeiro, retiram todo o seu dinheiro para fora dele e se sentam em volta de uma mesa sobre a qual o colocam. Suponhamos que cada um leva para essa reunião, cem mil milhões de Euros. E que discutem o que fazer com este dinheiro que todos retiraram ao sistema financeiro. Por exemplo, diz o senhor Li Peng, se comprássemos todo o petróleo do Mundo, actual e futuro, que está a 30 USD/barril e aumentássemos o seu valor para 150 USD/barril ? Boa, responderiam todos os restantes 999 companheiros de mesa. E se fizéssemos o mesmo com o Trigo e outros produtos essenciais ? Boa responderiam todos os companheiros. E assim por diante… A minha convicção é que esta reunião não ocorreu mas a coisa foi muito parecida…Criou-se um fundo financeiro, com biliões de Euros (ou de Dólares, como quisermos) e com esse fundo criou-se a crise. Tudo por falta de confiança no sistema financeiro.

Em quarto lugar, aparecem esses novos artistas da TV (Jornais e demais fóruns), os comentadores pagos a peso de ouro que, do alto da sua cátedra de papelão, debitam certezas indubitáveis a propósito de uma demagógica e deturpada análise : a ideia de que a crise existe em Portugal e, portanto, o governo de Portugal é o alvo a abater por nos ter sujeitado a ela. É absolutamente falsa tal conclusão pois a crise teve dimensão mundial numa primeira fase e está aí para durar no interior da União Europeia, a qual se revela absolutamente incapaz de a combater – desde logo porque ainda não percebeu bem a sua origem nem se revela competente para encontrar a solução; a Europa vive num dramático e sonhador mundo, a leste de toda e qualquer realidade, e em todos os países estão a ser aplicadas medidas muito duras que vão fazendo estrago irreversível, um pouco por todo o lado como o revelam as medidas do próximo orçamento Português mas também as Inglesas, as Espanholas, as Gregas, Irlandesas, Húngaras ou até o clima de «ferro e fogo» que se vive em França.

Em quinto lugar, ao mesmo tempo que a Europa navega desorientada neste mar de incertezas, vivendo um drama económico sem precedente no pós guerra, existem países, desde logo os do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que crescem em alta velocidade, partilham investimentos de larga espectro económico e espalham esperança nas populações estimuladas pela sua expectativa de futuro. Tal realidade deve-se a um factor muito simples : a transferência incomensurável de fundos financeiros, da Europa para outras paragens, motivadas pelo receio do cutelo fiscal Europeu e pelo acenar sedutor de países emergentes.

Em sexto lugar, a ingenuidade da Europa que assiste impotente a estas transferências financeiras, num caudal “tsunamico” e continua a perseguir o dinheiro até que o último cêntimo daqui saia. Sem dinheiro não há investimento e sem investimento não há emprego nem desenvolvimento. Público ou Privado. É verdade que existe dinheiro sujo nas off shores mas também é verdade que está lá, cada vez mais, dinheiro limpo. Mas a questão do dinheiro sujo precisa de um sistema judicial eficaz, que seja duro e eficiente, é um caso de Polícia e não um problema fiscal. Quando a UE reduz o crime a um problema fiscal, obviamente os detentores do capital têm medo e colocam o dinheiro ao fresco para fazer germinar progresso onde for bem tratado. Ponto final.

Em sétimo lugar, a Europa não se limita a ser estúpida. Fá-lo com autoridade. Solta uma perseguição alienada sobre os poucos agentes que vão sobrevivendo, na procura imediata de soluções financeiras, promovendo um espírito resignado de abandono do aparelho produtivo e um agravamento indirecto da situação que vivemos. Só falta pagar-se um imposto para se estar vivo, nesta velha e decadente Europa…

Em oitavo lugar, a Europa não se limita a ser ingénua. Publicita-o. Quando se determina como grande solução para a crise, penalizar fiscalmente as off shores, a Europa não percebe que estes paraísos fiscais se situam fora das suas fronteiras, com excepção de umas praças de trocos como a nossa Madeira. Quando se aplica uma taxa elevada de IRS às off shores, a Europa não percebe, pois, que não tem qualquer tutela sobre elas e que está a dar um recado aos cidadãos Europeus que têm dinheiro em paraísos fiscais, no sentido de o deixarem estar sossegadinho; e não percebe que está a dar um recado aos Europeus que têm dinheiro cá para o levarem daqui; e não percebe que, mesmo tendo alguma tutela sobre off shores e penalizando-as fiscalmente por lá existe dinheiro sujo, está a aplicar um imposto a dinheiro ilegítimo mas também a dinheiro legítimo… Se alguém faz um assalto, o que é normal é prendê-lo e não aplicar-lhe um imposto mais elevado que aos outros cidadãos…

Em nono lugar, e na sequência da terceira constatação, inquietamo-nos agora a propósito das razões porque os mercados financeiros nos cobram juros tão elevados e porque estamos tão dependentes deles para garantir a sobrevivência do paradigma social que possuímos…Só há uma razão. Estamos dependentes deles, da forma como eles quiserem, porque o dinheiro que saiu da Europa faz cá muita falta, foi dar uma volta pelas off shores e agora está a financiar a Europa ao preço (taxa de juro) que eles querem. A Europa não percebe que a crise é exclusivamente derivada da falta de dinheiro, porque o dinheiro saiu de cá, e agora estamos a pedir esse mesmo dinheiro emprestado numa quase subserviência humilhante.

Em décimo lugar, e só para contrariar o Medina Carreira, acho que devemos pensar em soluções…Só há duas alternativas, do meu ponto de vista. Ou a Europa emite legislação de confiança pedindo aos Europeus que façam retornar o seu dinheiro ao sistema financeiro normal, sem qualquer penalização fiscal ou a Europa emite dinheiro físico (em papel), alterando as regras da participação monetária, aumentando a liquidez do Euro e permitindo uma resistência mínima. Em ambas os casos há perigos e cuidados a tomar : no primeiro caso já vai ser difícil convencer os detentores do dinheiro de que essa medida seria mesmo assim, isto é, que mereceria a confiança para lhe responder afirmativamente… No segundo caso, é necessário montar uma vigilância rigorosa ao sistema financeiro e agir em caso de infracção, sem apelo nem agravo e, ao mesmo tempo, para ambas as alternativas, a Europa tem de deixar o leito da teoria estudada no século passado e contribuir positivamente para um novo paradigma social. Com solidariedade, com justiça e com ambição estratégica para todos os cidadãos.

* Presidente da Federação do Ribatejo do Partido Socialista e colaborador deste jornal