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segunda-feira, 29 de março de 2010

O País precisa de uma nova Reforma Agrária

No dia 9 de Fevereiro de 1975, em Évora, o PCP promoveu a I Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul. Com mais de trinta mil trabalhadores, dos distritos de Évora, Beja, Portalegre, Setúbal e Santarém, a participarem na conferência e no seu comício de encerramento, a data ficou a marcar o arranque para a Reforma Agrária, uma das mais importantes conquistas da revolução de Abril, que iria transformar radicalmente os campos do latifúndio, criando trabalho e desenvolvimento onde até então dominavam o atraso, a exploração, a miséria, o desemprego. Ontem, à tarde, já depois do fecho da nossa edição, ia realizar-se, em Montemor-o-Novo, no auditório da Junta de Freguesia de Nossa Senhora da Vila, a primeira das iniciativas com que o PCP se propõe assinalar, ao longo de 2010, os 35 anos da Reforma Agrária. Nestas páginas, publicamos o texto da intervenção de Jerónimo de Sousa, nessa sessão pública (de que daremos notícia no próximo número), e fotografias, do arquivo do Avante!, de alguns momentos marcantes da construção da Reforma Agrária e dos anos da resistência à contra-revolução.
Estamos aqui hoje a assinalar o 35º aniversário do início da Reforma Agrária, momento marcante da história do nosso país, em que os assalariados agrícolas do Alentejo e Ribatejo - levando por diante as conclusões da I Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, realizada pelo PCP, em Évora, em 9 de Fevereiro de 1975 - avançaram audaciosamente no caminho da construção concreta da Reforma Agrária e substituíram o desemprego e a miséria pela produção, o trabalho e o pão.
Como incisivamente afirmou, na altura, o camarada Álvaro Cunhal, «vivemos um momento histórico nos campos do Sul. Pelas mãos dos trabalhadores, a Reforma Agrária deu os primeiros passos. Do Alentejo das terras incultas, das charnecas, dos pousios, do gado raro e miserável, dos baixos rendimento das culturas; do Alentejo do desemprego, da fome e da miséria, os trabalhadores, com o apoio do Estado democrático, farão um Alentejo com uma agricultura que dará em abundância os produtos de que os trabalhadores e o País necessitam».
E assim foi.
Tratou-se de um acontecimento que tinha, a montante, décadas de luta desenvolvida pelo proletariado agrícola contra o latifúndio opressor e explorador e sustentáculo assumido do regime fascista – luta que, por isso mesmo, tinha na consigna «a terra a quem a trabalha» uma referência fundamental.
Décadas de uma luta que nunca deixaremos de valorizar devidamente, pelo que ela significou no combate ao fascismo e na construção do 25 de Abril libertador, e pelo papel que nela desempenhou o nosso Partido, seu grande organizador e dirigente.
Na nossa memória colectiva perdurará para sempre o exemplo de coragem e de heroísmo demonstrados por milhares e milhares de proletários agrícolas, perdurarão as perseguições, as prisões, os espancamentos, as torturas a que foram submetidos pela brutal repressão fascista.
E jamais esqueceremos os camaradas que deram as suas vidas nessa luta e que tombaram, vítimas dos assassinos a mando do regime fascista: Alfredo Lima, em Alpiarça, em 1950; Catarina Eufémia, em Baleizão, em 1954; José Adelino dos Santos, aqui, em Montemor-o-Novo, em 1958.
Deles diremos, como diz a Heróica de Lopes-Graça: «os mortos não os deixamos/para trás/abandonados/ fazemos deles bandeiras/guias e mestres soldados/dos combates que travamos».
A Reforma Agrária foi, desde o início, alvo de ataques os mais diversos e de uma desavergonhada campanha de mentiras e calúnias deformando e caricaturando os seus verdadeiros significado, objectivo e resultados alcançados – uma campanha que ao longo dos tempos foi assimilada pelos re-escrevedores oficiais da história ainda hoje activos.
Nos meses que se seguiram ao 25 de Abril, os assalariados agrícolas, organizados nos seus sindicatos recém-criados, foram confrontados com uma situação particularmente difícil, que os obrigou a desenvolver importantes lutas contra os grandes agrários, que recusavam dar-lhes trabalho e procediam a uma generalizada acção de sabotagem económica, que viria a assumir as mais graves expressões: os gados eram abandonados ou eram levados clandestinamente para Espanha; a azeitona não era apanhada e olivais eram incendiados; as culturas eram abandonadas; as máquinas eram retiradas das explorações; hortas e outras culturas eram destruídas – ao mesmo tempo, muitos desses agrários pediam dinheiro aos bancos para trabalhos agrícolas e gastavam-no em proveito próprio.
Com tudo isto, o desemprego aumentava e, tal como no passado fascista, a fome e a miséria instalavam-se nas casas dos trabalhadores.
Assim, «a Reforma Agrária surge natural como a própria vida, aparece como necessidade objectiva de resolver o problema do desemprego e da produção, como solução indispensável e única».
E nasceu no dia em que os trabalhadores, pela primeira vez na história do nosso país, tomaram a decisão histórica de ocupar as terras do latifúndio (de início, apenas terras incultas e abandonadas) e de imediato as começaram a cultivar, num processo em que milhares de homens e mulheres, tomando nas próprias mãos os seus destinos, passaram a trabalhar mais de um milhão de hectares de terra, concretizando um inovador programa de transformação económica e de justiça social, que iria resolver os problemas da produção e do emprego nos campos do Sul, e incorporando na sua actividade uma perspectiva de desenvolvimento – enfim, organizando e dirigindo a produção agrícola; transformando radicalmente as estruturas agrárias; diversificando o processo de produção e, com isso tudo, pondo fim ao desemprego e conquistando melhorias radicais nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e das populações da região.
Tratou-se de um processo original, conduzido no fundamental pelo proletariado agrícola alentejano e ribatejano, e que, ao contrário do que propalavam os propagandistas da reacção, não foi importado de lado nenhum, antes nasceu do esforço e da imaginação criadora dos trabalhadores organizados nas suas mais de 500 UCP’s/cooperativas – elas próprias, enquanto estruturas produtivas de novo tipo, nascidas dessa mesma criatividade.
Tratou-se de um processo suportado num igualmente inovador e criativo conceito de propriedade e uso da terra, que rejeitava a sua posse individual e a reclamava para a trabalhar, aumentar a produção agrícola, desenvolver o País.
Vale a pena relembrar as declarações de um trabalhador agrícola daqui, de Montemor-o-Novo, que, na sua simplicidade, explicava assim a questão: «os trabalhadores alentejanos e ribatejanos nunca pensaram na terra para si, nunca foram gananciosos por ter um bocadinho de terra (…) a terra é do nosso país».
Tratou-se, ainda, de uma acção que - num tempo em que a reacção tudo fazia para o regresso ao passado fascista – deu um contributo determinante para a defesa e consolidação da democracia conquistada em Abril.
O êxito da Reforma Agrária manifestou-se, essencialmente, no aumento da área cultivada, no aumento da produção e na realização de trabalhos numa perspectiva de desenvolvimento.
As UCP’s/cooperativas tomaram medidas que conduziram a uma notável melhoria das condições de vida dos trabalhadores; estabeleceram salários fixos, diminuíram a diferença entre os salários dos homens e das mulheres, criaram creches, jardins de infância, centros de dia, postos médicos.
E tudo isso foi possível porque, nas unidades agrícolas da zona da Reforma Agrária, deixou de haver exploradores e explorados.
Sempre atacados violentamente pelas forças reaccionárias, incluindo as que se encontravam no próprio aparelho estatal, que agiam no desprezo e na infracção da legislação que entretanto fora promulgada, os trabalhadores da Reforma Agrária deram provas de uma capacidade de luta e de uma criatividade singulares.
Por outro lado, contaram sempre com uma imensa vaga de solidariedade nacional – por parte de operários industriais, jovens trabalhadores e estudantes, mulheres, intelectuais – e internacional, em particular dos países socialistas. Este foi um dos raros períodos da história do último meio século no Alentejo em que a região não conheceu o flagelo do desemprego, não perdeu população e viu muitos dos seus filhos regressarem à terra.
Assinalando os 35 anos do início da Reforma Agrária - do seu êxito, das profundas e revolucionárias transformações que operou nos campos do Sul, do contributo que foi para o enriquecimento do conteúdo democrático do regime saído da Revolução de Abril – é necessário assinalar, também, a ofensiva criminosa que levou à sua liquidação.
Iniciada em 1976, pelo Governo do PS/Mário Soares, essa ofensiva foi prosseguida por todos os governos que se seguiram - PS/CDS; PPD/CDS; PS/PPD e PPD sozinho - e insere-se no processo contra-revolucionário que teve na operação de adesão de Portugal à CEE/UE um instrumento fundamental para a destruição das conquistas de Abril e para a restauração do capitalismo monopolista.
E nunca é demais recordar e repetir que a ofensiva destruidora se desenvolveu contra uma realidade traduzida na existência de 550 UCP’s/cooperativas, ocupando um milhão e 130 mil hectares de terra, assegurando 71 900 postos de trabalho, e tendo realizado, em pouco mais de um ano, uma obra notável de desenvolvimento agrícola e de natureza social – uma realidade consagrada na Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2 de Abril de 1976.
A ofensiva foi suportada por uma prática de violação da legalidade. Mais e pior do que isso: a ilegalidade foi ostensivamente assumida como instrumento de acção. Os mandantes e os executantes da ofensiva criminosa contra a Reforma Agrária sabiam que estavam a agir fora da Lei fundamental do País. Eles eram também, na sua maior parte, inimigos de Abril: os latifundiários, que haviam sido sustentáculo do fascismo, eram, agora, sustentáculo da contra-revolução.
A famigerada «Lei Barreto», como ficou conhecida a Lei 77/77, ponto de partida da ofensiva no plano legislativo, era uma lei claramente inconstitucional.
Há dias, António Barreto, entrevistado pelo Jornal de Negócios, confessou que essa lei é o gesto político de que mais se orgulha – confissão que é bem elucidativa sobre a dimensão política, humana e cidadã do confessado... Como o são as restantes declarações por ele proferidas na referida entrevista, toda ela um mar de falsidades e de calúnias – parte delas repescadas da campanha na altura desenvolvida pela reacção, aí incluídos os chefes das redes bombistas.
Trinta e cinco anos passados, o «orgulhoso» Barreto volta a decretar a «ilegalidade» da Reforma Agrária, feita segundo ele, «à margem da lei ou mesmo contra a lei» - e certamente pensando na lei que tem o seu nome, e que ele fez aprovar em frontal desrespeito pela Lei fundamental do País; certamente pensando nos mais de 500 acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, favoráveis às UCP´s e que não foram cumpridos pelos vários governos.
Diz ele, também – à cautela e sacudindo a água do capote - que, para liquidar a Reforma Agrária, «foi preciso usar alguma violência», mas que se tratou de uma violência controlada», já que, diz ele, «era indispensável não causar feridos e mortos».
Estava certamente a pensar na vaga de violência que pôs o Alentejo a ferro e fogo, num cenário repetido do tempo do fascismo; com helicópteros, aviões, jipes, cavalos, cães, auto-metralhadoras; com milhares de GNR’s e elementos da Polícia de Choque, invadindo e ocupando dezenas e dezenas de povoações, perseguindo, prendendo, procedendo a interrogatórios pidescos e a julgamentos sumários, espalhando o terror, espancando brutalmente mais de doze mil trabalhadores; abrindo fogo, ferindo, matando – assassinando a tiro aqui, em Montemor-o-Novo, os camaradas José Geraldo (Caravela) e António Maria Casquinha, da UCP «Bento Gonçalves», naquele que foi, porventura, o dia mais negro do Portugal pós 25 de Abril.
Foram 14 anos de ofensiva criminosa e destruidora comandada pela contra-revolução – tantos quantos os da resistência heróica dos trabalhadores, que escreveram uma das páginas mais relevantes da história da luta pela democracia, pela liberdade, pela justiça social.
A Reforma Agrária acabou por ser destruída e o latifúndio restaurado, trazendo novamente ao Alentejo as terras abandonadas, a desertificação, o desemprego, a miséria e a fome.
Hoje, graças à PAC e às imposições da UE, umas poucas centenas de grandes agrários recebem milhões de euros, sem que lhes seja exigida a produção de um grama sequer de alimentos, enquanto milhares e milhares de hectares de terra estão a monte, ou mal aproveitados, ou servem apenas como reservas de caça.
Assinalamos aqui, hoje, os 35 anos do início da Reforma Agrária. E fazêmo-lo afirmando inequivocamente a sua importância histórica e sublinhando a necessidade e a actualidade de, nas circunstâncias actuais, se concretizar uma Reforma Agrária que liquide a propriedade latifundiária e garanta o uso e a posse da terra a quem a trabalhe.
Assinalando o acto e o processo de avançar com a Reforma Agrária, não estamos a olhar para trás.
Um país como o nosso, com défices estruturais incomportáveis, precisa de uma nova Reforma Agrária, como parte integrante do desenvolvimento rural.
A Constituição da República, mesmo alterada e golpeada, inscreve como objectivo promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores, a racionalização das estruturas fundiárias, a modernização do tecido empresarial e o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção, directamente utilizados na sua exploração, por parte daqueles que a trabalham. Constituição que refere ainda a possibilidade de expropriação de terras e a sua entrega, a título de propriedade ou de posse, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar, e a cooperativas de trabalhadores rurais.
E relembramos a Reforma Agrária como relevante conquista da revolução de Abril e como componente indispensável da democracia e do desenvolvimento do nosso país, sublinhando a sua indispensabilidade no futuro democrático de Portugal.
Daqui saudamos, fraternalmente, os milhares e milhares de trabalhadores alentejanos e ribatejanos (incluindo aqui os técnicos das várias áreas que lhe deram suporte), protagonistas daquele acontecimento maior da revolução de Abril que foi a Reforma Agrária - «a mais bela conquista da revolução», como muito apropriadamente lhe chamou o camarada Álvaro Cunhal.
Teremos porventura o sonho mais avançado que a realidade e que a actual relação de forças no País. Mas a necessidade objectiva de Reforma Agrária há-de impor-se de novo, como condição de um país de progresso e desenvolvimento, de mais emprego, mais justiça social e democracia avançada.


Intervenção de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, nos 35 anos da Reforma Agrária

Artigo publicado na Edição Nº1890 DO “Avante”

3 comentários:

JA disse...

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O Editor

Simplesmente EU disse...

Bonito texto (mt longo para descrever aquilo que já foi dito e redito)...mas...onde está o 'sumo' de tudo o que se fez (a propósito quem iniciou os movimentos de ocupação foram os movimentos chamados de extremistas e não o PCP)?...inclusivé em Alpiarça onde estão os resultados da Reforma Agrária?...nada restou e provavelmente para além das culpas dos tais governos, pq não fazer uma AUTO-CRITICA dos erros cometidos...pq será que as honras são todas devidas ao PCP e as desgraças sempre provocadas pelos outros (já sei...a tal superioridade moral de quem nunca falha, nunca têm duvidas e nunca se engana).

A propósito...podem esclarecer-me o que é 'Democracia avançada'?

Nota:Já sei que vou ser apelidado de antocomunista...mas enfim

Até...

Simplesmente EU

Anónimo disse...

Mas que benefícios trouxe ao país e concretamente a Alpiarça a dita reforma agrária? Uns aproveitadores que encheram os bolsos em nome daqulo que propagavam ser de todos. Por isso é que os comunistas são falsos, gente em que não consigo acreditar de forma nenhuma.